quinta-feira, 18 de abril de 2024

A CANTIGA É UMA ARMA

“E depois do adeus” (1974)

A uma semana da passagem dos 50 anos da Revolução dos Cravos, a edição 24 de “A Cantiga é uma Arma” dedica a sua atenção àquela que funcionou como primeira senha do Golpe de Estado.

Falamos de "E depois do adeus", uma canção interpretada por Paulo de Carvalho, que venceu a décima segunda edição do Grande Prémio TV da Canção, atual Festival RTP da Canção, realizada a 7 de março de 1974. 

Com a sua transmissão pelos Emissores Associados de Lisboa, às 22 horas e 55 minutos, do dia 24 de abril, era dado o primeiro sinal para as tropas se prepararem e estarem a postos.

O sinal de saída dos quartéis iria para o ar cerca de uma hora e meia depois, mais precisamente, às 00h20m, quando a Rádio Renascença emitiu a canção “Grândola, vila morena”, de Zeca Afonso, esta, sim, uma música claramente política e de um autor proibido.

A razão da escolha de "E depois do adeus" é clara: em primeiro lugar, porque não tinha conteúdo político e, sobretudo, porque, à época, era muito popular por ter acabado de vencer o Festival RTP da Canção. Ao não levantar suspeitas, funcionou como primeiro teste, deixando em aberto a possibilidade de as operações serem canceladas se, entretanto, os líderes do MFA concluíssem que não havia condições efetivas para avançar com a Revolução.

Embora o título, em retrospetiva, pareça remeter para o adeus ao regime do Estado Novo, a canção em si é um tema de amor sem conteúdo político, ao contrário, por exemplo, da vencedora do ano anterior, “Tourada”, com Fernando Tordo, de que falamos na edição 17 de “A Cantiga é uma Arma”, a 15 de fevereiro.

Segundo o próprio Paulo de Carvalho, a música foi composta por José Calvário “em viagens de avião” e o poema “são bocadinhos de cartas que o José Niza escrevia à mulher”, quando estava na tropa, em Angola”, durante a guerra do Ultramar.

Esta passagem fala por si:

        “Quis saber quem sou,

        O que faço aqui,

        Quem me abandonou,

        De quem me esqueci.

        Perguntei por mim,

        Quis saber de nós,

        Mas o mar

        Não me traz

        Tua voz.”

A uma semana dos 50 anos do 25 de Abril, vamos ouvir – e cantar – “E depois do adeus”, com Paulo de Carvalho.

A Organização

quinta-feira, 11 de abril de 2024

A CANTIGA É UMA ARMA

"Parva que sou" (2011)

Nas duas últimas edições de “A cantiga é uma arma”, propusemos um exercício de cidadania, com dois temas que refletem o “E depois do 25 de Abril?”: “Uns vão bem e outros mal”, uma canção de Fausto, de 1977, e “Eu vim de longe, eu vou p’ra longe”, de José Mário Branco, corria o ano de 1982.

A duas semanas da passagem dos 50 anos da Revolução dos Cravos, prosseguimos esta visita ao álbum das cantigas de sobressalto cívico, de inquietação, de inconformismo, em tempos de democracia.

Nesta viagem no tempo, podíamos ir ao encontro de Dino d'Santiago, de A Garota Não, da banda “Fado Bicha” ou de novos estilos como o rap

Na edição desta semana, a número 23 de “A cantiga é uma arma”, optamos, isso sim, por recuar a 2011, ao encontro dos “Deolinda”.

Quase quatro décadas depois do 25 de Abril, a banda de Ana Bacalhau dá voz à indignação de uma geração, através da canção “Parva que sou”, um tema não gravado, que foi interpretado pela primeira vez nos concertos nos Coliseus do Porto e de Lisboa, em janeiro de 2011.

Com o país mergulhado numa grave crise, que culminaria, poucos meses depois, no pedido de ajuda externa, de que resultaria a intervenção da chamada Troika, “Parva que sou” foi a senha que substanciou a revolta, a angústia, o desapontamento, a frustração de uma geração nascida e formada em liberdade, mas que, apesar de ser a mais bem preparada de sempre, parecia estar condenada a viver pior do que os seus pais.

Afinal, parecia ter sido enganadora a máxima de que convinha “estudar para ser alguém na vida”. Estávamos em janeiro de 2011 e aquilo que os jovens diplomados conseguiam eram empregos incertos e/ou funções desajustadas da sua formação universitária e com salários baixos. E, ainda por cima, havia o risco do conformismo e da apatia cívica. 


É neste contexto que surge a canção “Parva que sou”, um grito de cidadania na luta pela dignidade perdida: 

        “E fico a pensar: que mundo tão parvo

        Onde para ser escravo é preciso estudar.

        Sou da geração “vou queixar-me pra quê?”

        Há alguém bem pior do que eu na TV.

        Que parva que eu sou!”

A cantiga desta semana “não é uma canção datada. Não é uma canção de intervenção, de incentivo à agitação. É antes uma canção de revolta. Intemporal. Desalentada. De desapontamento pelos valores por que se lutou em (e pela) liberdade” (“Expresso”/ “Blitz”, 30/01/2022).

A duas semanas dos 50 anos do 25 de Abril, vale a pena (re)visitar “Parva que sou” e pensar, por exemplo, nos desafios que os jovens de hoje têm pela sua frente, em plena sociedade democrática nascida com a Revolução dos Cravos. Porque, como dizia Zeca Afonso, numa entrevista em 1985, “o que é preciso é criar desassossego.” 

Vamos, então, ouvir – e cantar – “Parva que sou”, com os “Deolinda” e a voz de Ana Bacalhau…

A Organização 

sexta-feira, 22 de março de 2024

DIA MUNDIAL DA POESIA

Sarau de Poesia celebra 

os valores de Abril

Os valores de Abril deram vida ao Sarau que, assinalando o Dia Mundial da Poesia, tratou de celebrar Abril e as portas que Abril abriu.

A sessão aconteceu no Auditório Municipal, que se revelou demasiado pequeno, tal a afluência de alunos, encarregados de educação e familiares em geral, e também de professores e de outros membros da comunidade educativa.

Numa iniciativa da Biblioteca Escolar e do Projeto Cultural do Agrupamento, em articulação com o Grupo de Português e os Pelouros da Educação e Cultura da Câmara Municipal, o Sarau Poético foi uma verdadeira Festa da Palavra, em que a leitura e a música se conjugaram harmoniosamente, dando aos participantes a oportunidade de partilhar as suas emoções e de aprofundar a reflexão sobre as conquistas de Abril, nomeadamente a Liberdade e a Cidadania.

De uma forma abrangente, alunos do 1.º Ciclo ao 12.º ano de várias escolas do Agrupamento e ainda familiares e professores fizeram questão de dar voz à Palavra feita música e Poesia, celebrando a criatividade, a inspiração poética e os valores de uma sociedade democrática.


Nas suas mensagens, tanto o Dr. Soares Alves, Subdiretor do Agrupamento, como o Dr. José Alfredo Oliveira, Vice-presidente da Câmara Municipal, felicitaram os participantes na iniciativa, assim como os seus organizadores, enaltecendo o poder da Palavra e chamando a atenção para a necessidade de cuidar a Democracia e a Liberdade.

Biblioteca Escolar

50 ANOS DO 25 DE ABRIL

A Liberdade é como um cravo: 

precisa de ser cuidada para não morrer

“A Liberdade pode não durar para sempre. Ela é como um cravo, precisa de ser cuidada e regada, todos os dias, para não murchar e morrer”.

A mensagem foi transmitida por Rui Ramos, no decorrer de uma sessão que dinamizou para os alunos dos 2.º, 3.º e 4.º anos das EB de Crasto e de Entre Ambos-os-Rios.

Inspirado na obra “Miguel e Kiko no 25 de Abril, de Gisela Silva e ilustrações de Susana Lima, o ator e contador de histórias proporcionou uma animada e interativa teatralização sobre os valores de Abril.

Sempre num registo divertido e muito próximo, Rui Ramos conduziu os mais novos por um interessante vigem no tempo, ilustrando as condições de vida e a repressão da ditadura e da PIDE, antes do 25 de Abril, o processo revolucionário e a alegria da chegada da Liberdade, há 50 anos, e o desafio cívico de continuarmos a zelar por este precioso património, que a Revolução dos Cravos nos ofereceu.

As duas sessões – que complementaram as que já haviam sido realizadas, uma semana antes, com Inácia Cruz, para os colegas da EB Diogo Bernardes – inserem-se no âmbito do programa comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, que o Agrupamento está a implementar.

Os encontros com os dois contadores de histórias foram devidamente preparados, num trabalho articulado entre os docentes titulares e a Biblioteca Escolar, que, na hora do conto, fez para cada uma das turmas a leitura expressiva da obra, com uma abordagem reflexiva das grandes conquistas de Abril. 

Biblioteca Escolar

quinta-feira, 21 de março de 2024

A CANTIGA É UMA ARMA

“Eu vim de longe, eu vou p'ra longe” (1982)

Em 1982, oito anos depois do fim do seu exílio em Paris, José Mário Branco publicou “Ser Solidário”, um duplo álbum original que navega entre o fado e o jazz, entre a canção francesa e a moda popular. 

Uma das canções em destaque no disco, sobretudo pelo profundo significado da letra, é “Eu vim de longe, eu vou pr’a longe”.

Sete anos depois do fim do Processo Revolucionário Em Curso (PREC), que agitou Portugal, o artista interpreta um sentido testemunho de desilusão, ou melhor, de “derrota”, mas também de esperança, face ao curso dos acontecimentos, entre abril de 1974 e novembro de 1975:

        “Quando a nossa festa se estragou

        E o mês de Novembro se vingou

        Eu olhei p'ra ti

        E então eu entendi

        Foi um sonho lindo que acabou

        Houve aqui alguém que se enganou”.


Profundamente desiludido, ou “derrotado”, com o rumo dos acontecimentos, o artista deixa, no entanto, uma mensagem final de otimismo e de esperança:

        “Quando finalmente eu quis saber

        Se inda vale a pena tanto qu'rer

        Eu olhei p'ra ti

        E então eu entendi

        É um lindo sonho p'ra viver

        Quando toda a gente assim quiser.

                (…)  São a parte que eu posso prever

                Do que a minha gente vai fazer”.

A história da produção do álbum “Ser Solidário” merece, aliás, uma referência. Não conseguindo o apoio de nenhuma editora nacional para o publicar, José Mário Branco optou por apresentar as canções em formato espetáculo, no Teatro Aberto, em Lisboa.

As apresentações ao vivo, que se prolongaram no tempo, sempre esgotadas, foram aproveitadas para distribuir um cheque-disco pelo público, que serviria como pré-financiamento para a edição do álbum, numa pioneira estratégia pioneira de “crowdfunding”.

O famoso tema “FMI” era parte integrante do espetáculo “Ser Solidário”. Gravado numa das exibições, foi publicado em formato maxi single em 1982 e oferecido juntamente com o LP “Ser Solidário”, apresentando a mensagem de que, "por determinação expressa do autor, ficava proibida a audição pública parcial ou total da obra."

Independentemente do posicionamento que cada cidadão possa ter face ao curso da Revolução dos Cravos, “Eu vim de longe, eu vou pr’a longe” tornou-se uma canção emblemática, com o seu refrão a fazer parte do imaginário nacional.

Vamos, então, ouvir – e cantar – “Eu vim de longe, eu vou pr’a longe”, com José Mário Branco…

É uma interpretação no “Programa Vozes de Abril” da RTP, realizado ao vivo no Coliseu dos Recreios em 2008, no âmbito das comemorações do 25 de Abril.

A Organização